02 marzo, 2004

Freiras de Nampula Acusam Polícia de Inacção


PUBLICO
Por ANTÓNIO MARUJO
Terça-feira, 02 de Março de 2004

Três crianças resistiram ao aliciamento de "uma pasta bonita" e, com isso, talvez tenham evitado o rapto por uma rede de tráfico de crianças e de órgãos que, de acordo com as denúncias de freiras católicas e de várias Organizações Não-Governamentais, tem operado na zona de Nampula (Moçambique).

O caso foi relatado ao PÚBLICO por Maria Juliana Aviño, prioreza do convento Mater dei, das irmãs Servas de Maria, cuja congregação tem estado na primeira linha das denúncias e agora acusam a polícia de não

investigar como deve.

No caso dos três meninos de rua que resistiram à proposta e estavam para ser levados por um carro de vidros escuros, houve quem conseguisse ver a matrícula do veículo. Mas, de acordo com a irmã Juliana, nem tudo acabou em bem, nos últimos 15 dias, com a notícia do desaparecimento de várias crianças: três foram levadas na mesma altura e ninguém sabe o paradeiro delas, de uma quarta falta confirmar o lugar do cativeiro, uma outra menina de três meses foi levada por um casal, que também tentou raptar um rapaz de oito anos, que, no entanto, conseguiu fugir.

Há também informação de um caso em que um miúdo, depois de três semanas retido numa casa de vizinhos - que serviriam de intermediários -, conseguiu escapar. Tudo isto sucede nos bairros pobres à volta do centro de Nampula, em zonas próximas do mosteiro das Servas de Maria.

Os elementos recolhidos pelas irmãs já chegaram, também, ao conhecimento das autoridades. Mas a irmã Juliana Aviño confessa o seu desapontamento com a polícia e o sistema judicial, depois de a Procuradoria-Geral da República (PGR) moçambicana ter feito saber, na semana passada, que não tinha indícios nenhuns de que existisse tráfico de órgãos em Nampula.

"É injusto negar o que é evidente", diz a freira. "Havia muitas pistas para descobrir a rede, mas a polícia não faz muito", acusa. "É muito cansativo andar a reunir informação, ter que responder sobre isso e ver que, no fim, é tudo quase igual a zero."

A mesma sensação de desapontamento tem o padre Claudio Avallone, do Secretariado Justiça e Paz dos Servos de Maria, o ramo masculino da congregação religiosa da irmã Juliana. Em Nampula há mais de duas semanas, Avallone pôde verificar, como diz ao PÚBLICO, a "frustração das irmãs e do povo" com a inoperância das autoridades e a declaração da PGR.

"Não se pode confiar na justiça", afirma. E, numa informação enviada de Nampula, o padre Claudio conta que "um dos casos mais terríveis continua por esclarecer". "Um homem teria ido a casa de uma mulher, dizendo ser o primo do marido e pedindo ajuda aos quatro filhos para o ajudarem a transportar as malas e bagagens até ao aeroporto. Nem o homem nem as crianças voltaram a ser vistas. Quando a mulher percebeu que os quatro filhos tinham desaparecido, teve um ataque de coração e morreu."

Pressões internacionais

Claudio Avallone conta que "as irmãs têm fotos, gravam a voz de quem denuncia", a situação tem continuado igual, com a diferença de que, nos últimos dias, o ambiente "acalmou" um pouco. Talvez pela repercussão e pelas pressões internacionais que começam a existir, admite.

Quando regressar a Roma, daqui a uns dez dias, o padre Avallone diz que irá dar conta do que viu e sentiu à sua congregação. E também espera que, a nível local, os responsáveis da Igreja façam ouvir mais publicamente a sua voz. Depois da declaração da PGR, o bispo de Nampula, D. Tomé Makweliha, foi à Beira falar com D. Jaime Gonçalves, "Mas é preciso escolher claramente de que lado a Igreja se coloca", diz o padre Avallone, que espera encontrar-se ainda com o bispo antes de regressar a Roma.

A nível internacional, os padres Servos de Maria irão promover abaixo-assinados para enviar ao Governo moçambicano, à Organização das Nações Unidas e ao Parlamento Europeu, de modo a pressionar as autoridades no sentido de investigar o que se passa em Nampula.

Corpo de Doraci Edinger Segue Hoje para o Brasil

O corpo de Doraci Edinger, a missionária protestante brasileira assassinada na semana passada em Nampula, deverá ser trasladado hoje mesmo para o Brasil depois de terem sido avaliados os resultados da autópsia efectuada na sexta-feira. De acordo com as averiguações iniciais, a missionária da Igreja Evangélica de Confissão Luterana terá sido morta sem ter havido violência sexual nem roubo. Três golpes de martelo terão sido suficientes para matar a missionária e a polícia investiga agora uma pista relacionada com desvios de fundos no interior daquela Igreja, que já afectara antes a sede dos luteranos em Maputo. Isaura Sheila, funcionária da Igreja Evangélica de Confissão Luterana em Maputo, confirmou, em declarações à agência Lusa, a situação de desvio de fundos ocorrida nos últimos anos, tendo adiantado ter sido movido um processo-crime contra o suspeito. Aquela funcionária disse saber de queixas apresentadas por Doraci sobre a situação financeira da Igreja Luterana em Nampula, que, nos últimos tempos, terá levado à intervenção da secção luterana brasileira, que assumiu as despesas com o aluguer do apartamento da missionária.

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