04 marzo, 2004

Espinhos da Micaia

Savana Maputo 12.03.04
A vez da igreja católica
Por Fernando Lima

Todos sabemos das humilhações infligidas às confissões religiosas no pós independência.

Todos sabemos que o laicismo do novo Estado nascido no 25 de Junho não desculpa os abusos e excessos.

Também sabemos da hierarquia das religiões durante o colonialismo. Sabemos da colagem da religião do Vaticano ao regime de Salazar-Caetano, mau-grado Paulo VI.

E também sabemos que à revelia da orientação oficial, seminários, missões, locais de culto serviram de alfobre ao movimento de libertação.

A Igreja Católica soube resistir ao despojar de bens, ao insulto gratuito, à propaganda hostil. A igreja nunca deixou de emitir as suas cartas pastorais. Manuel Vieira Pinto e Jaime Gonçalves, mais difícil para este que para aquele, confrontaram Samora quando era difícil fazê-lo.

O bispo da Beira é um dos arquitectos do quadro de paz de que todos desfrutamos.

A igreja católica, mais ágil e pressionante que as outras confissões, com diplomacia e com algumas ameaças insinuadas, tem hoje de volta grande parte da propriedade perdida depois da independência. Chissano e muitos dos seus pares, “ renascidos cristãos”, fazem-se filmar nos templos nas datas mais marcantes do calendário litúrgico.

Com toda esta pacificação, nada fazia prever a “explosão católica” a propósito do alegado tráfico de órgãos humanos que tem epicentro em Nampula.

Vozes avisadas fazem notar que não é a igreja católica. D. Jaime, responsável pela Conferência Episcopal tem-se pronunciado com grande reserva, não obstante “dar a cara” por Nampula. O bispo local mantém-se silencioso. A Nunciatura não se pronuncia mas são conhecidos os apelos privados à moderação.

Restam os serviços missionários, autores do comunicado incendiário divulgado pela imprensa e os seus amplificadores centrados em Portugal. Não há beato de redacção (ou sacristia?) que não tenha vindo a público com relatos aterradores de morticínios em Nampula, na Beira, Gondola, Mandimba. Até um deputado no Parlamento Europeu, cujo partido trata Moçambique por “antigo ultramar português”, se desdobrou em frenéticos telefonemas para as chancelarias de Maputo para se inteirar da câmara de horrores em que o país se transformou. Há Nampula e há renovação de mandatos em Estrasburgo nos próximos meses.

Revanche ou não, unânime ou não, é a primeira vez que a igreja católica se envolve, com a dimensão nacional e internacional que conhecemos, a partir de acontecimentos numa província islamizada e com um governador de origem muçulmana.

É a vez da igreja católica quando em todo o mundo, mas sobretudo nos Estados Unidos, há um enorme escândalo envolvendo ministros da igreja de Cristo em práticas sexuais com menores.

O Estado e as suas instituições executivas parece não se terem apercebido da dimensão do problema que não se reduz à exploração degradante de menores dos extractos mais pobres da sociedade moçambicana.

Ao Estado, mas não só, compete dar as respostas adequadas a esta nova crise que nos estoirou entre portas.

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