24 febrero, 2004

Procuradoria-Geral da República Diz Que Não Há Tráfico de Órgãos Humanos em Moçambique

PÚBLICO

Por PAULA TORRES DE CARVALHO
Terça-feira, 24 de Fevereiro de 2004

"Não há indícios de tráfico de órgãos humanos" na província de Nampula, em Moçambique, segundo as investigações preliminares realizadas pela Procuradoria-Geral da República de Maputo. A revelação foi feita, ontem, em conferência de imprensa, na capital moçambicana, pelo procurador-geral adjunto, Rafael Sebastião.

Neste encontro com os jornalistas foi divulgado o conteúdo de um relatório de 23 páginas sobre a investigação realizada na sequência de denúncias sobre a existência de uma rede de tráfico de órgãos a operar em Nampula e que explicaria a morte de dezenas de crianças no último ano.

Estas queixas foram apresentadas por uma religiosa brasileira, Elilda dos Santos, residente em Nampula, à Liga dos Direitos Humanos, tendo sido depois encaminhada para a Procuradoria-Geral da República. As suspeitas ganharam consistência depois de a freira ter investigado, ela própria, oito dessas mortes de crianças.

A conclusão da Procuradoria contraria a afirmação feita recentemente pelo procurador-geral da República, Joaquim Madeira, à RDP África no sentido de o problema do tráfico de órgãos estar a adquirir "proporções alarmantes" no país.

Contactada pelo PÚBLICO após a divulgação dos resultados do inquérito, Elilda dos Santos disse que as conclusões da investigação da Procuradoria a deixaram, bem como aos missionários em geral, "bastante preocupados e até assustados". Adiantou, contudo: "Temos a nosso favor uma arma muito poderosa, que é a verdade. Os cadáveres existiram, os familiares das vítimas encontram-se em situação muito delicada... e isso não pode ser ocultado."

Para Elilda dos Santos, a inexistência de indícios tem a ver "com a pressão muito grande e com a cumplicidade e a manipulação das autoridades locais". Na qualidade de pessoa que "acompanhou todo o processo desde o início" e que "viu os cadáveres", põe em causa as perícias feitas pelos médicos legistas. "Não houve exumação", assegura. "Abriram as sepulturas, levantaram as ossadas e devolveram os corpos à terra."

Segundo a religiosa brasileira, o último caso conhecido foi "o do cadáver de uma senhora" no passado dia 6. Foi encontrada sem partes do corpo e a explicação é que fora "comida pelos cães", conta.

Elilda dos Santos diz ainda que, contrariamente às orientações da Procuradoria-Geral da República, o cadáver não foi removido para estudo e foi imediatamente enterrado. "Não posso nem me devo calar perante esta situação, atendendo a tudo o que testemunhei", afirma a freira.

Em reacção ao relatório da PGR, a presidente da Liga dos Direitos Humanos, Alice Mabote, disse, em entrevista à RDP África: "Esperaria outra coisa se tivéssemos um trabalho isento de perturbações e, como deve saber, este trabalho foi perturbado." Manifesta ainda a sua estranheza em relação ao relatório do médico legista, que "diz que a morte foi violenta, mas não há indícios de nada e espera que investiguem".

A necessidade da investigação da causa das mortes que se sucederam ao longo do último ano torna-se agora prioritária. Como dizem alguns dos padres que têm acompanhado o assunto: "Se estas pessoas não foram mortas por motivos ligados ao tráfico, se está confirmado que se tratou de morte violenta, então o que esteve na sua origem?" É uma interrogação que esperam vir a ter resposta.

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