27 febrero, 2004

Crime Ou Aviso?

Por NUNO PACHECOS
exta-feira, 27 de Fevereiro de 2004
A notícia do assassinato de uma missionária em Moçambique veio agitar de novo os ânimos, num momento em que outras freiras se queixavam (e queixam) de ameaças de morte por investigarem uma alegada rede de tráfico de órgãos humanos no país. Pode não haver qualquer relação entre o assassinato de Doraci Edinger e as ameaças de morte que pairam sobre Elilda dos Santos e outras irmãs do mosteiro Mater Dei, já que pertencem a congregações distintas, sediadas em diferentes zonas de Nampula.
Mas o facto de se tratar de religiosas brasileiras pode deixar em aberto a dúvida: terá sido um crime premeditado, com outros motivos mas com a "vantagem" de servir de exemplo? Poderá este assassinato querer intimidar quem se aventure, no seu trabalho humanitário e social, para lá das marcas definidas pelos interesses de negócios ilegais e afortunados?Elilda dos Santos, há nove anos a viver e trabalhar em Moçambique, está prestes a partir: "Estou de malas aviadas e sei que isso satisfaz muitos que me querem ver pelas costas", afirmou.
Mas o facto de ter denunciado, há ano e meio, diversos casos que podem estar relacionados com tráfico de órgãos na zona de Nampula (desaparecimentos, cadáveres mutilados), faz dela um alvo fácil. Talvez mesmo um alvo a abater. Como Doraci Edinger, cujo assassinato continuava ontem a aguardar explicação oficial. Mas se for tão clara quanto a explicação dada pela Procuradoria-Geral moçambicana para negar vestígios de tráfico de órgãos nos casos denunciados, então continuaremos no reino do mais puro surrealismo. Disse o procurador-geral adjunto, para pasmo de quantos o ouviram: "Alguns cadáveres examinados tinham falta de certos órgãos, mas os resultados das autópsias não determinam que os mesmos tenham algo a ver com o negócio de órgãos". Naturalmente, como se imagina, os mortos são aliviados de olhos, coração ou pulmões para facilitar o enterro. Ficam mais leves e são mais fáceis de transportar...
Se o ridículo matasse, o anúncio público do relatório da Procuradoria teria sido uma chacina. Como não mata, temos que nos limitar às recordações de um terror que ainda ameaça fazer mais vítimas: dos 80 meninos de rua "muito conhecidos" restam 15; eles contam que os aliciam com comida e dinheiro, mas os que foram "com os brancos" não voltaram (qual será o seu paradeiro? Em que corpos baterão agora os seus corações?); na zona do aeroporto, as religiosas começam a registar movimentos estranhos: carros de vidros escuros, pessoas inamistosas, silêncio, uma avioneta e sinais de luzes (tomaram nota de matrículas e entregaram-nas às autoridades, sem nenhum resultado até hoje).
O curioso é que o procurador-geral de Moçambique afirmara à RDP-África, em absoluta dessintonia com o posterior relatório da instituição que superintende, que o tráfico de órgãos estava a adquirir "proporções alarmantes" no país. Terá coragem de agir em
conformidade?

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