01 enero, 2003

Espinhos da Micaia

Nebulosa

Por Fernando Lima

Nas últimas semanas tenho escutado com regularidade em rádios estrangeiras, a voz alterada do que penso ser uma brasileira, denunciando hediondos crimes em Nampula.

Segunda a senhora, crianças, sobretudo crianças, são esventradas para lhes retirarem orgãos vitais que depois são comercializados internacionalmente.

Na última comunicação da senhora, ampliada por uma intensa troca de mensagens por correio electrónico, dizia estar escondida algures com cinco crianças e que a polícia estava a tentar levar uma delas, subentendendo-se que a corporação é pelo menos cúmplice de tão monstruosa operação. Não sei a que ordem religiosa pertence. O convento onde se abriga também não está claramente identificado.

Todos sabemos das maleitas da nossa polícia, dos bandidos fardados que nos assaltam diariamente. Este facto contudo não me dá o direito de pensar que a corporação é parte de uma rede de tráfico de crianças e orgãos humanos. Nestes termos, cada vez que falo com o comandante Miguel dos Santos ou com o Dr. Nataniel Macamo ter-me-ia de pôr em sobreaviso sobre os nefandos e inconfessáveis mistérios que escondem as suas missões na polícia.

Do que me é dado a ver, o desempenho do Dr. Abdul Razak como governador de Nampula, embora passível de críticas, aliás como todos nós, parece-me uns furos acima da média nacional. Não faço dele um sucedâneo de um barão colombiano, nem os seus equivalentes nigerianos e congoleses. Ouvir uma voz desbragada pela rádio sugerir que o governador é cúmplice do tráfico de crianças não deixa de me incomodar.

Eu sei que para além da súbdita brasileira, há o bispo Jaime Gonçalves que solicitou os ofícios de sua excelência, há a preocupação da inefável Dra. Alice Mabote e a intervenção televisiva do procurador Joaquim Madeira, citando também as preocupações do líder (não sei se dos católicos, da IURD ou da meditação transcendental).

Para além da mediatização destas e outras pessoas bem colocadas, pouco me foi mostrado das verdadeiras evidências sobre as monstruosidades que estão a acontecer em Nampula. Os técnicos do hospital que falaram com jornalistas não dão garantias que os corpos encontrados tenham sido amputados. Os responsáveis dos bairros (possivelmente comprados pela rede) dizem que só ouviram falar. Não há nomes, famílias, datas, lugares, para além do famigerado terreno perto do aeroporto onde um macabro sul-africano(branco) e os seus cães se dedicam a práticas inqualificáveis com a cumplicidade do governador, polícias, juizes, jornalistas, etc.

Quando foi cometido o massacre de Montepuez, uma das poucas vozes lúcidas no meio das acusações e contra-acusações sobre as responsabilidades na mortandade, foi a da Liga dos Direitos Humanos. Era um relatório redigido de forma algo tosca, mas que apresentava factos. Factos que nem políticos, nem os habituais escribas a soldo tinham conseguido até então explicar. Continua a ser o melhor documento, pesem os milhões gastos numa controversa missão da Assembleia da República ao local do crime. Todos ficaríamos imensamente gratos se a Liga pudesse de novo, politizações à parte, prestar um serviço de cidadania, apresentando-nos com isenção factos sobre os alegados infanticídios que estão a ocorrer em Nampula.

É que teorias conspirativas todos temos.

Será tudo isto uma luta de terrenos ? Uma cruzada religiosa contra o agnóstico governador de Nampula, mas que é apresentado como islâmico ? Ou querem-nos desviar para Nampula enquanto em Maputo (e noutros sítios) a elite político-económica se banqueteia com os despojos do legado estatal ?

Nesta nebulosa todas as teorias são possíveis.

Pelas crianças, pelas famílias mais intranquilas, temos o direito a saber algo mais que declarações de gravata e batina.
Savana Maputo 16.01.03

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